segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

OK, voltei. E agora?

Um dos maiores mistérios da vida de uma au pair é o "e depois?". Já ouvi essa pergunta muitas vezes de futuras e atuais au pairs, mas não me canso de responder. Esta experiência é sim uma divisora de águas e, consequentemente, há uma mistura de medo, receio e expectativas no retorno ao país.

Depois de voltar, nunca me dei ao trabalho de escrever sobre este período. Não que não houvesse interesse, mas além de não me sentir especialista no assunto, esperei passar por este momento para contar com propriedade e com minhas próprias impressões como é.

A começar pela saída do país, a sensação no aeroporto é de renascimento. Parece que se concluiu uma vida e que se começa tudo do zero. E, como dizem ser pouco antes da morte, passa-se um filme na cabeça de como foi seu ano e você agoniza a cada segundo o afastamento da família que aprendeu a amar. A mudança de paisagem e de temperaturas não são as únicas a ocorrer. Você já mudou por dentro.

Isso é bom ou ruim? - me perguntam as desesperadas. Nem um nem outro. - respondo eu para a infelicidade das que precisam de conforto. Mas como diria a expressão em inglês, deve-se olhar pelo lado bom (look on the bright side). A sensação unânime é que voltamos com uma mente muito mais aberta e muito mais desafiável (com o perdão do provável neologismo). Temos uma sensação louvável até de que nada é capaz de nos parar ou de diminuir o poder dos nossos sonhos e o resto...bem...o resto é pura consequência.
Passados poucos menos de dois anos do retorno, eu quase virei antropóloga (rsrs just kidding). E pra ser bem didática, vou direto às minhas observações:

1) Se você fez intercâmbio, você perde seu direito à crítica.

A máxima acima não está em primeiro lugar de propósito. A menos que você tenha feito muitas amigas au pairs ou que tenha em sua roda de amizades pessoas bastante curiosas e críticas, desista de tentar emplacar uma conversa sobre os problemas que o Brasil enfrenta. Reclamação de 10 entre 10 au pairs que voltam de seus intercâmbios, meus estudos antropológicos apontaram que você perde o seu direito à cidadania brasileira imediatamente após conquistar um visto J1 para os Estados Unidos.

Não adianta nem tentar argumentar que você já reclamava das estradas antes. Ainda que você não esteja utilizando uma comparação explícita a la "Aqui é assim e lá é assado" vai soar como tal, simplesmente porque você perdeu o direito de falar de seu próprio país e de sua política. A boa notícia é que tem sempre uma pessoa aberta ao diálogo e que entende que você não está exaltando as belezas e encantos das estradas americanas ao xingar veementemente o buraco da Régis Bittencourt. Você está apenas constatando um fato deplorável da nossa ineficiência governamental.

E bem. Brasileiro é bicho engraçado. Mete pau em tudo, perdoa bandido e corrupto, abusa do tal de "jeitinho" e depois vira um belo nacionalista quando convém. E olha eu falando de "nós" outra vez... #oops, I did it again!


2) Ser um pouco Luciana Gimenez e perguntar coisas Bigbrodianas "faz parrrte".

"Como asssim você nasce aqui, mora 20 e tantos anos aqui e esquece o português em 1 ano? Ah, vá!". Você vai ouvir isso umas 350 vezes no seu ano de retorno, o que dá uma média de quase uma indignação por dia contra você. A dica no caso é: divirta-se com sua burrice temporária e com seu tico e teco brigando em português em inglês para completar apenas uma frasezinha que seja numa língua só. #ficaadica

Já diziam os poetas Rodolfo e ET, "se eu lavo, se eu cozinho ninguém tem nada com isso".


3) Não tente se justificar.

Quanto mais você tenta mostrar que não está nostálgica com os Estados Unidos, mas que está na verdade preocupada com o "E depois?", menos vai parecer que você está preocupada de fato com seu futuro e mais as pessoas vão julgar que você voltou deslumbrado. Fez a matemática?


4) Aguente o bullying e não atire.

Vão te chamar de Tio Sam. Vão cantar para você a música da Carmem Miranda que diz "Disseram que eu voltei americanizada". Toda vez que aparecer algo dos Estados Unidos na TV vão te cutucar. Toda vez que o Brasil jogar contra os Estados Unidos vão perguntar para que time você está torcendo. Por mais que doa, que dê raiva e que você queira comprar uma arma e sair atirando em todo mundo, não faça isso porque aí sim vão dizer que você voltou americanizada por ter virado um atirador maluco depois que voltou de lá.

5) O contato com a família não depende só de você.

Não faça do contato com a host family sua obrigação e seu "full-time job" (trabalho integral) no Brasil. Vejo meninas desesperadas porque as mães não respondem e-mails e porque parecem se esquecer que você habita a Terra. Desencana. Sério. Desencane deveras! hahaha Eles têm sim umas 10 au pairs na vida e o contato será esporádico, mas nem por isso menos agradável ou carinhoso. Costumo dizer que o intercâmbio é para nós mais especial e, para eles, mais banal. Cruel realidade sim, mas deixe que eles vivam a rotina, que se readaptem sem você e não seja o namorado grudento da sua host family que quem vai sofrer é você.

5) Você tem sorte.

Pra quem está próximo de voltar, acredite: pode vir feliz e saltitante porque agora o Primeiro Mundo é aqui. =)


Era isso por hoje, pessoal. Só passei pra dar uma desenferrujada...E, afinal de contas, uma vez au pair, pra sempre au pair, né?

Muack!